quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Eu topo!


Eu topo.
- Maria (Lucas 1:38)

E aí que tem essa garotinha judia, provavelmente de 13 ou 14 anos, e de acordo com o evangelho de Lucas, um anjo de Deus aparece a ela e diz que ela encontrou graça diante de Deus. E que ela ficará grávida, e que o seu filho será o Filho do Altíssimo, e ele terá o trono do seu Pai Davi. E o reino dele não terá fim.
Maria, porém, tem algumas perguntinhas básicas a fazer:
Mas, como? Eu nem tive relações sexuais ainda.
O anjo responde:
O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te encobrirá.
Esta menina Maria ouve tudo que o anjo tem a dizer e, em seguida, responde:
Eu sou serva do Senhor, que aconteça comigo conforme a tua palavra.
Ou como diríamos: Eu topo!
Bom, um pouco sobre de onde Maria vem. Ela é parte de uma tribo que diz ter sido escolhida pelo único Deus verdadeiro. Isto era incomum porque as outras tribos tinham muitos deuses. Um antigo escritor disse que era mais fácil encontrar deuses do que homens em Atenas. Deuses em todos lugares. Mas essa tribo crê que existe um único Deus acima de todos eles, um Deus tão grande, tão além, que eles foram proibidos de sequer fazer estátuas desse Deus.
Essa era uma ideia nova. Até um pouco estranha.
Mas essa tribo agarrou-se firmemente à convicção de que o seu Deus era puro Espírito, incapaz de ser remotamente representado por qualquer imagem que um ser humano poderia criar. Em uma reviravolta fascinante, eles acreditavam que ao invés de pessoas criando deuses à sua imagem, Deus criou as pessoas de acordo com a imagem dele próprio.
O que soa agradável. Mas essa tribo, em particular, havia sido conquistada de novo, e de novo, e de novo. Egípcios, babilônicos, assírios, selêucidas. Uma superpotência atrás de outra, cada uma delas teve a oportunidade de fazer da vida dessa tribo, miserável.
O que provavelmente deve ter levantado uma pergunta em Maria: Se o nosso Deus é o Deus acima de todos os outros, a nossa terra é a terra santa, e nós somos o seu povo, então como é que continuamos levando porrada?
A história repetia-se, opressão atrás de opressão, um império dominante seguido de outro. Até os dias de Maria, em que o império dominante se chamava Roma. Eles zombavam da tribo de Maria. Construíram as suas sedes militares mais altas do que o templo de Deus só de pirraça. Os romanos eram governados por uma série de imperadores chamados de César.
Acreditava-se que eles eram os filhos de Deus, e que Deus os enviou para trazer um reino universal de paz e prosperidade.
Eles tinham um slogan popular: Não há outro nome abaixo dos céus pelo qual podemos ser salvos, a não ser César.
Eles exigiam que todos reconhecessem que César era o senhor.
E assim, eles marcharam por todo mundo conhecido, conquistando terras, e exigindo que as pessoas reconhecessem César como senhor. Extraindo impostos esmagadores das pessoas para financiar exércitos maiores.
Caso você achasse ruim, tinha uma tecnologia chamada estaca de execução em que você seria executado em demonstração ao que acontece quando se resiste a César.
Era como eles faziam paz. Submeter-se, ou ser crucificado.
Era o mundo que Maria viveu. César no trono. O poderoso opressor no comando. A dominação implacável.
Você pode imaginar a vergonha? Porque é isso que o povo de Maria vivia. Cansado de ser pisado, cansado de ser chutado. Cansado de adorar um Deus que permite que pessoas que nem sequer reconhecem o Senhor verdadeiro vençam repetidas vezes.
Então, quando o anjo lhe dá esta notícia sobre um bebê que vai governar um reino, ela responde emocionada com um poema épico chamado Magnificat.
Ela diz que Deus tem estado consciente do estado humilde da sua serva. E que a misericórdia de Deus se estende àqueles que o temem. Ela diz que Deus tem derrubado governantes dos seus tronos (tem mesmo?).
Ela continua louvando a misericórdia do Senhor. Dizendo que Deus tem cumprido o que ele prometeu aos seus antepassados.
Para a audiência de Lucas, o contraste deve ter sido impressionante. Quem é essa adolescente, filha de Abrãao, para dizer que seu bebê vai durar mais que César?
Maria. César.
Uma adolescente. O governante do mundo.
Maria comemorando porque César vai cair.
Você pode ver as sementes revolucionárias da história de Jesus?
É politicamente subversivo, desafiante e louco. E olha que Jesus nem tinha nascido ainda.
Lucas está contando uma nova história. Uma história sobre um caminho além de César. Ele está oferecendo ao mundo a notícia revolucionária de um novo Senhor. Aquele que não vai mudar o mundo através da violência militar, mas de um amor sacrificial.
Qual é o melhor caminho? Poder opressivo ou amor?
Quem é o Senhor, César ou Jesus?
Essa é a pergunta que Lucas está fazendo, e ele começa isso tudo com essa garotinha que está pronta para colocar a mão no fogo por tudo que Deus tiver em mente.
É por isso que a história de Jesus parece perder o seu poder gritante quando nós a tiramos do contexto e colocamos a nossa sociedade mainstream como referencial. Ela diz respeito a um povo oprimido.
Ela é um lembrete atemporal de que a força coercitiva é tênue, na melhor das hipóteses. Os impérios são frágeis. Os políticos, os imperadores, os magnatas, os líderes, as grandes tropas, vem e vão como o vento. Porque todos eles, no fim das contas, fazem parte de um regime temporário.
Deus não se esqueceu. César está para cair.
O grito dos oprimidos foi ouvido e um bebê está prestes a nascer.
E tudo isso começa com uma adolescente que diz: Eu topo.
Essa criança está para nascer.
“Eis o grande Rei que nos libertará da tirania de Roma”?
Não. Lembre-se, essa história nada tem a ver com o estabelecimento de um regime temporário, mas de um reino eterno.
“Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.
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sábado, 12 de dezembro de 2015

Ele está à frente


“Mais uma vez, irou-se o Senhor contra Israel. E incitou Davi contra o povo, levando-o a fazer um censo de Israel e de Judá. ” 2 Samuel 24

“Satanás se levantou contra Israel e incitou Davi a fazer o censo. ‘’ 1 Crônicas 21

Qual é? Deus incitou Davi a fazer o censo, ou foi satanás?
A Bíblia diz uma coisa e depois diz outra completamente diferente.
O que fazemos com uma contradição dessas? Várias coisas.
Primeiro, um pouco sobre porque o censo pode ser um problema. Quando você faz um censo, é porque quer saber quantas pessoas tem, certo? E por que você quer saber isso? Porque isso lhe diz o quão grande você pode construir o seu exército. Diz com quem você pode e com quem você não pode guerrear. De maneira prática, você descobre o quão grande você pode construir seu império.
E por que isso pode ser um problema? Porque essas pessoas são chamadas para serem diferentes. Elas fazem parte de uma sociedade contrária às outras. Elas fazem parte de uma tribo que vive na aliança fiel com o seu Deus, o qual insiste em dizer que pode protege-las e guiá-las. Fazer o censo é uma falta de confiança.
Em segundo lugar, a parte da contradição.
2 Samuel foi escrito por volta de 600-500 a.C.
1 Crônicas foi escrito por volta de 400-250 a.C.
Assim, 2 Samuel foi escrito antes. Algumas centenas de anos antes.
A história contada antes diz que foi Deus que o incitou a fazer, a contada depois diz que foi satanás.
Por que isso é tão interessante?
Porque quanto mais cedo nós estamos na História, mais veremos as pessoas atribuindo todo tipo de raiva e violência aos seus deuses. Era assim que as pessoas concebiam os deuses. Eles acreditam que eles eram vingativos e era necessário oferecer sacrifícios para aplacar a ira. Você pode ler mais sobre isso aqui.
E como explicar esses relatos conflitantes?
Com o tempo, as pessoas evoluíram em suas concepções de Deus. Elas perceberam que um Deus bom não incitaria alguém a fazer algo ruim. Então deveria haver alguma outra força o incitando.
E aí é que a ideia de satanás entra.
Mas o que aconteceu no Jardim do Éden?
Nesse relato não se fala claramente de satanás, mas de uma cobra falante. Era simplesmente muito abstrato ainda.
Então qual é a primeira vez que a palavra “satanás” aparece na Bíblia?
Aqui em 1 Crônicas 21. E Crônicas não foi escrito até o exílio, bem mais tarde na história de Israel. A ideia de satanás não emerge até o fim do Antigo Testamento. Não surgiu até o exílio, época em que os hebreus haviam experimentado tamanha opressão e sofrimento, distantes de casa e em meio a uma grande alienação.
Eles se deram conta de que esse Deus dúbio era impossível.
Portanto, não há uma contradição, mas sim uma evolução. Uma sofisticação da concepção da natureza de Deus e do mal. Eles estão aprendendo sobre um novo tipo de Deus.
Não é exatamente isso que acontece em toda Bíblia?
Por exemplo, o livro de Levítico. É um livro revolucionário.
Você deve estar se perguntando: Como essa louca consegue colocar Levítico e revolucionário na mesma frase?
Pois é, acabei de fazer.
É um livro que começa com extensas (para ser honesta: chatas) instruções sobre como oferecer sacrifícios. A oferta de cereais, a de paz, a pelo pecado, e a pela culpa.
Para piorar, versos após versos do que fazer com a gordura, os lombos, o fígado, o sangue do animal.
Mas, calmaí. Primeiro, o livro começa com o Senhor (e este nome para Deus está interligado a um Deus que os livra de tudo em que eles estão subjugados) dizendo a Moisés para dizer ao povo:
Quando você traz uma oferta ao Senhor...
A palavra oferta aqui é a palavra hebraica Corban, que significa “se aproximar”.
Aproximar-se.
Os deuses naquela época eram tidos como distantes, individuais, exigentes, impessoais e em constante necessidade de serem apaziguados.
Mas, tipo, desse Deus você pode se aproximar?
As pessoas não falam de deuses como esse. Elas não concebem esse tipo de Deus.
Esse Deus é diferente. Você pode se relacionar com Ele. Você pode se aproximar dele.
E uma das ofertas é chamada oferta de paz. É uma oferta que você dá porque tem paz com Deus. E uma das instruções do capítulo 7 é que a carne oferecida deve ser comida, no mesmo dia.
Como se chama isso? Refeição.
Você chegará a esse Deus e então você terá uma refeição celebrando a paz que tem com Ele.
Em outras palavras, você pode saber onde está esse Deus. Mas e se você fez uma coisa de errado? Há uma oferta para isso. E se você se sente culpado? Há uma oferta para isso.
Sim, sim, claro, pessoa moderna. Talvez pareça um pouco primitivo. Foi há muito tempo.
Vamos direto ao mundo moderno: Por que eles simplesmente não ignoram todos esses sacrifícios?
Isso teria sido incrível. Não era o que Deus queria? Anunciar que o sacrifício final já havia sido feito, declarar que o templo será demolido. Olha só, já estamos mais à frente, né?
Mas como se muda uma consciência inteira formada por séculos e séculos? Como mudar todo um sistema? Você simplesmente destrói tudo de uma vez ou adentra na cultura deles, na língua deles, no convívio deles, na forma de pensar deles, e vai gradualmente introduzindo novas ideias, fazendo mudanças passo a passo?
Então, Levítico é um passo. Um passo revolucionário para uma concepção do divino.
E é isso que Paulo quis mostrar quando disse que a lei era um tutor. É necessário para uma temporada. Mas em seguida, você evolui. Você se adapta e ganha maturidade. Descobre que algumas coisas já não são mais necessárias.
E não é esse o caminho para a graça?
A graça é a maioridade do homem. É o nível mais alto que podemos chegar.
É o nível em que queremos estar.
É a evolução máxima. É onde Deus nos propõe estar desde a fundação do mundo.
É quando algumas coisas que eram tão importantes perdem a sua necessidade. É quando entendemos quem é o protagonista.
Mas para chegarmos a essa dispensação, precisamos nos desapegar de conceitos errados sobre Deus, conceitos retrógrados.
Nosso Deus está à frente. Nós já estamos à frente.
Não há mais tempo de nos deixarmos levar por deuses primitivos.
Graça é maturidade. E poucos desfrutam dela.

“Deus é um comediante a atuar para uma plateia assustada demais para rir.’’ (Voltaire)
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