quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A justiça insuportável


Em Romanos 5, Paulo explica como Jesus reverte os danos causados pelo pecado de Adão. E ele deixa claro que de certo modo a paz está disponível para todos, mas a maioria não recebe. E eles continuam a sofrer o destino de Adão.
Vivemos em uma geração pós-moderna cristã que começa a questionar o sofrimento eterno. Um dos argumentos mais usados é o de que pessoas que são “muito melhores que eu” serão condenadas.
Não é justo, afinal.
A bíblia não se esforça em parecer justa nesses padrões. Na verdade, os evangelhos parecem esfregar nos nossos narizes tal “injustiça”.
“Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua vinha.
E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha.
E, saindo perto da hora terceira, viu outros que estavam ociosos na praça,
E disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e dar-vos-ei o que for justo. E eles foram.
Saindo outra vez, perto da hora sexta e nona, fez o mesmo.
E, saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam ociosos, e perguntou-lhes: Por que estais ociosos todo o dia?
Disseram-lhe eles: Porque ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós também para a vinha, e recebereis o que for justo.
E, aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha ao seu mordomo: Chama os trabalhadores, e paga-lhes o jornal, começando pelos derradeiros, até aos primeiros.
E, chegando os que tinham ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada um.
Vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber mais; mas do mesmo modo receberam um dinheiro cada um.
E, recebendo-o, murmuravam contra o pai de família,
Dizendo: Estes derradeiros trabalharam só uma hora, e tu os igualaste conosco, que suportamos a fadiga e a calma do dia.
Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro?
Toma o que é teu, e retira-te; eu quero dar a este derradeiro tanto como a ti.
Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?
Assim os derradeiros serão primeiros, e os primeiros derradeiros; porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos. ” (Mateus 20:1-16)

Jesus é questionado sobre como é o Reino. Bem, algumas pessoas conseguem o que merecem e não mais. Outras pessoas ganham mais do que merecem. E essas pessoas que receberam apenas o que mereciam vão reclamar dizendo que não é justo. Jesus dificilmente poderia ter sido mais claro.
Considere a parábola dos talentos:
“E a um deu cinco talentos, e a outro dois, e a outro um, a cada um segundo a sua capacidade, e ausentou-se logo para longe. ” (Mateus 25:15)

Algumas pessoas têm mais talentos que as outras. Isso é justo? Não. Jesus quer deixar claro que essa não é a justiça com a qual Deus trabalha.
“Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez talentos.
Porque a qualquer que tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver até o que tem ser-lhe-á tirado. “ (Mateus 25:28-29)

O talento do homem de um talento lhe é tirado (muito justo, na verdade) e dado ao homem de 10 talentos. Nada justo, não é? Por que não dar ao que tinha 4? Ele não precisa mais? O cara dos 10 talentos não tem mais do que o suficiente?
Toda essa confusão é criada pelo simples fato de desconhecermos o real significado de justiça. Equidade é diferente de justiça. Justiça refere-se a uma ação que trata as pessoas como elas merecem ser tratadas. Equidade é uma ação explicada por conta das circunstâncias.
Deus é justo, mas não equitativo.
O trabalhador que chegou primeiro recebeu o salário justo pelo seu trabalho, e teve de trabalhar para ganhá-lo. O trabalhador que chegou tarde foi pago com a mesma quantia do que o que trabalhou o dia todo, e o trabalhador que trabalhou mais pela mesma quantia foi reclamar para o seu patrão porque ele havia sido justo com ele e mais do que justo com o outro.
Com os olhos da graça, uma lição clara que podemos tirar é a de que Deus é justo com alguns e mais do que justo com outros, mas nunca menos do que justo. E a maioria de nós iria chorar dizendo “não é justo”, porque não entendemos o que é justiça.
Isso é mais bem teorizável do que praticável. É difícil aceitar, seja de qual lado você esteja, o da culpa ou o do ciúme.
Esses sentimentos levam a comportamentos que são a causa do legalismo. Se sabemos que nossa salvação é imerecida, podemos compensar tentando ganhá-la. Ou podemos compensar ensinando que deve ser conquistada, para aliviar a nossa culpa por um presente que não merecemos. Podemos até negar a certeza da salvação! Uma salvação que não merecemos parece muito boa para ser verdade, e por isso lutamos contra a realidade dela. E assim juntamos um monte de doutrinas para tentar encaixar Deus no nosso senso de justiça.
Não podemos realmente entender Deus, a não ser pelos seus próprios termos. E isso inclui aceitar que a nossa salvação não é merecida. E aqueles que só recebem justiça se indignarão por só terem recebido justiça.
Vamos responder a essa realidade, espero eu, com compaixão pelos perdidos, encorajando-os a receber o mesmo dom gratuito com maior urgência. Mas a urgência só surge quando olhamos a condenação nos olhos e reconhecemos que é justo, e é o que vai acontecer. Não estamos lutando contra a injustiça, mas contra a morte. O inimigo de Deus não é a sua ira, é a morte. O dom gratuito que recebemos nos conduz a trazer a verdade aos perdidos, no momento em que aceitamos que os perdidos estão de fato perdidos.
Mas, francamente, a maioria de nós acha esse pensamento insuportável, e entramos em um processo de negação e racionalização. Fingimos que condenados não são condenados, nos sentindo culpados pelo que recebemos de graça ou fingindo que merecemos o que ganhamos.
A graça definitivamente não é construída sob um sistema puro de justiça, porque é mais do que justo.
E a parábola acaba dizendo que os últimos serão os primeiros. Os “últimos” são os que vieram trabalhar por último, e eles fizeram o melhor negócio. Já os “primeiros” são os últimos pois fizeram o pior negócio, embora ele tenha sido inegavelmente justo.
Dessa forma, o Reino coloca as coisas de cabeça para baixo. Haverá trabalhadores que receberão muito mais do que merecem, e os que serão recompensados com justiça apenas.
Parábolas... Parábolas são contadas unicamente porque são verdadeiras, não porque você vai achar legal e querer imitá-las. Bons Samaritanos são normalmente processados. Pais que dão festa para filhos rebeldes são repreendidos. Empregadores que pagam salários iguais para um trabalho desigual têm problemas de relações trabalhistas. Qualquer pastor que deixa 99 ovelhas e vai atrás de uma perdida, perde o emprego. Não faz o menor sentido perder uma dracma dentre 10 e depois de tê-la achado fazer uma festa que custa mais que a dracma achada para comemorar, todos iriam achar que você é um idiota. As parábolas são verdadeiras porque mostram como Deus é. Mas elas não se aplicam a nenhum processo sensato, apenas à loucura divina. Servem para nos provar que a única coisa que jamais ousaríamos imitar é justamente a única coisa que pode nos salvar.

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