sábado, 15 de agosto de 2015

Quem é o próximo?




Vamos dar uma olhada em uma história familiar da bíblia, certo? Que tal a parábola do bom samaritano? Todo mundo conhece. É sobre a importância de ajudar as pessoas que estão com problemas, não é? Você pode sim usá-la com esse fim. Pode ser útil. Mas você estaria perdendo o feeling da história. A maioria das pessoas perde completamente o ponto central dessa parábola. Eis o porquê: Jesus conta essa história (em Lucas 10), em resposta a uma pergunta. E quanto mais você entender a pergunta, mais você verá o quão brilhante e provocante é a história. A pergunta é feita por um mestre da Lei que quer saber o que deve fazer para herdar a vida eterna.
Em primeiro lugar, o mestre da Lei não quer saber. Ele já tem uma opinião. Isso é o que os mestres da Lei (que significa especialistas nas escrituras) faziam no primeiro século. Eles tinham opiniões formadas sobre as escrituras e passavam horas discutindo. Esse homem não é novo para o jogo, ele é um dos da elite, um membro de longa data da instituição religiosa. É importante notar que o que quer que Jesus diga, este homem terá algo a dizer em resposta. 
Em segundo lugar, quando ele pergunta sobre a vida eterna a Jesus, ele não está perguntando sobre a vida depois da morte precisamente. Na verdade, no mundo do primeiro século, o foco era mais esta vida. Eterno não seria apenas uma duração, mas uma qualidade. De semelhante modo, vida eterna (zoe aionios) não seria apenas uma promessa de uma vida após esta vida, mas uma qualidade de vida agora característica de pessoas que vivem na eternidade. Não apenas na vida após a morte, mas também na vida antes da morte. Então, quando você tinha a chance de interagir com um grande professor ou rabino espiritual, uma das primeiras perguntas que você normalmente faria seria: “Como faço para ter uma vida mais plena agora? ”. Na esperança de que ele te mostre como andar em comunhão infindável e constante com o Deus vivo.
Jesus, é claro, responde como um bom rabino judeu, perguntando ao homem o que a Torá ensina. Jesus responde desta forma porque no mundo judeu do primeiro século, no qual ele viveu, a melhor resposta de como ter vida eterna era sempre para ser respondida de acordo com a Torá (que são os primeiros cinco livros das escrituras hebraicas). Como ensiná-lo a viver? 
O mestre não está surpreso com todo o diálogo até aí. Vamos fazer uma pausa aqui e observar que Jesus responde a sua pergunta com uma outra pergunta. Isto, mais uma vez, não era incomum. Jesus é questionado muitas vezes nos evangelhos, e ele responde quase sempre com uma pergunta. O doutor da Lei, então, cita Deuteronômio e Levítico, sobre amar a Deus e ao próximo como as coisas mais importantes que você pode fazer. Isso é vida eterna.
Jesus, então, diz: “Top! ” Ok, não exatamente. Mas muito perto. Jesus responde: “Você deu a resposta certa, se você fizer isso, você vai viver”. Mas é um diálogo, certo? O que mais precisa ser dito? O doutor faz uma pergunta, Jesus pergunta uma pergunta sobre sua pergunta, e ele responde. Jesus diz que ele acertou. A conversa acabou. Só que não.
Um parêntesis rápido.
(Quando as pessoas dizem que a Bíblia é chata, eu sempre vejo como se elas não estivessem lendo de fato. Porque se você realmente ler, entrando nas histórias, se aprofundando no contexto histórico, insinuações e figuras de linguagem, a última coisa que você vai ficar é entediado.)
Mas a conversa não acabou, porque o texto diz que querendo justificar-se, o mestre da Lei pergunta a Jesus: “E quem é o meu próximo? ”
Interessante. O cara tinha um script o tempo todo! Todas as perguntas e respostas e blá, blá, blá, foram apenas uma jogada! O doutor tem um problema com Jesus, ele não concorda com Jesus, e seu questionamento foi para chegar ao ponto de conflito. Que tem alguma coisa a ver com quem é o próximo. “Sim, sim, sim, Jesus, nós podemos passar o dia todo aqui conversando sobre a Torá, sobre amor e vida eterna e concordar com tudo, mas eu e você sabemos que temos um conflito sério sobre quem é o próximo”.
A esse ponto, Jesus lança uma história sobre um homem que estava indo de Jerusalém para Jericó e foi espancado e deixado à beira da estrada. O sacerdote vem e passa para o outro lado, vamos parar por aí. 
Isso é engraçado. A estrada entre essas duas cidades era uma fuga com alguns poucos pés de largura e com um penhasco. Jesus está tentando ser engraçado aqui porque não havia outro lado.
Em seguida, um levita vem e faz a mesma coisa. 
O sacerdote e o levita são os maus, certo?
Não. O homem ao lado da estrada foi espancado. O que significa que ele está sangrando, certo? E de acordo com a Torá, se você tiver contato com o sangue de outra pessoa, você seria considerado impuro, ok? E se você é um sacerdote ou levita, para servir o povo, para ser fiel ao seu Deus, para contribuir com a sua parte para a comunidade, você só pode fazer isso se permanecer cerimonialmente limpo, beleza? Então, quando eles se deparam com o homem, cada um tem uma decisão para tomar. Ajudar o homem, se tornando impuro, e ficando fora do serviço por um período de tempo, ou seguir puro? (Leia Levíticos 21:1-3)
Você está comigo? Em seguida, o terceiro cara vem. Vamos parar por um minuto e salientar que é lógico que a terceira pessoa deveria ser um mestre da Lei que ajuda o homem ferido. Jesus teria completado o seu argumento de que o próximo é alguém que está em necessidade, e o seu dever é ajudá-lo antes de tudo. Que é como um monte de gente conta essa parábola. 
O que faz perder completamente o foco do que Jesus realmente estava tentando mostrar.
Não é um mestre da Lei que vem vindo, é um... samaritano. E os professores, rabinos, judeus no geral, odiavam samaritanos. O doutor da Lei estava esperando para entrar na história, e um samaritano era o último tipo de pessoa que poderia substituí-lo. Samaritanos eram os Skinheads da época. Esse ódio tinha surgido há muito tempo, gerações atrás, devido aos costumes deles que misturavam judaísmo com idolatria, e era uma repulsa muito, muito profunda. Mas nesta história que Jesus conta, é o samaritano que ajuda o homem ferido. 
Esta história foi quase impossível de se ouvir para o mestre da Lei. Um bom samaritano? Em nossos dias, quando falamos “bom samaritano” não carregamos mais o real impacto do que essas duas palavras juntas causaram. Não é mais um paradoxoMas era. Um bom samaritano era impossível. Esse personagem não existia em suas mentes. Jesus, então, termina esta história em que um bom samaritano é o herói e pergunta ao mestre: “Qual destes três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?
Você consegue ver como Jesus está sendo insanamente brilhante, inteligente e subversivo aqui? Por favor, me diga que você consegue ver! Porque a coisa toda começou com o mestre perguntando a Jesus uma pergunta cuja resposta é controversa, não é? E então, o que Jesus faz? Ele conta uma história que divaga por lugares inexplorados, e então um personagem chocante entra na história e acaba como herói. E, em seguida, Jesus vira o jogo com o mestre da Lei e pergunta: “Quem foi o próximo? “
A resposta é o samaritano, certo? Sim, correto.
Mas como é que o mestre responde?
“Aquele que mostrou misericórdia”.
Ah, cara. O mestre não pode nem mesmo dizer samaritano”. Isso é o quão profundo o seu ódio vai. Ele não consegue nem mesmo dizer a palavra. 
Nomes nos conectam. Nomes criam intimidade. Você se sente péssimo quando esquece o nome de alguém, não é?
Mas esse mestre não pode sequer responder à pergunta de Jesus dizendo o nome. 
Esse é o seu próximo. A quem você foi chamado para amar. É aí que a vida eterna é encontrada. Em amar o próximo. Aquele que você odeia, aquele que você despreza, aquele que você queria que não existisse, aquele cujo nome você não é nem capaz de dizer.
Você vê agora por que eu comecei falando sobre o ponto central da história? Você pode usá-lo para falar sobre assistência, o que é bom, e até muito útil. Mas Jesus está nos chamando para algo muito maior e muito mais profundo. Jesus está chamando o homem para amar como Deus ama. O que significa todos. Mesmo aqueles que você mais odeia. Jesus desafia o homem a estender o amor divino àqueles que são difíceis de serem amados. Pois o amor do tipo de Deus ama o não amável. E é isso aí. Essa é a resposta para a pergunta. É assim que se encontra vida eterna.

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